Comunistas reafirmam <br>opção revolucionária
Albano Nunes, dos organismos executivos do Comité Central do PCP e Luís Carapinha, membro da secção internacional do Partido, estiveram recentemente no 12.º Congresso do PC da Venezuela. Na bagagem, trouxeram a convicção da justeza do processo bolivariano e o empenho dos comunistas no aprofundamento da opção revolucionária.
«É uma evidência a importância das massas trabalhadoras»
Em conversa com o Avante!, Albano Nunes traçou-nos o balanço da análise feita pelos militantes do PCV, o papel da classe operária e dos trabalhadores venezuelanos na transformação social em curso, as dificuldades, os anseios e o estímulo lançado a outros povos que também procuram caminhos alternativos à subjugação imperial.
Cuba e a Colômbia também estiveram na agenda da digressão comunista.
Avante! : - Que balanço fazes da presença no 12.º Congresso do PC venezuelano?
Albano Nunes: - As nossas relações com os camaradas venezuelanos são muito boas. Não podíamos deixar de estar presentes, sobretudo tendo em conta a revolução bolivariana em que estão empenhados e o nosso interesse em aprofundar o conhecimento que temos dela.
O congresso foi profundamente marcado pelo processo revolucionário venezuelano, que os nossos camaradas valorizam muito e no qual participam activamente. Por sua vez, também observámos que essa prática é correspondida pela direcção política venezuelana, nomeadamente pelo presidente Hugo Chaves e pelo vice-presidente José Vicente Rangel.
Ao contrário do que estava inicialmente previsto, Chávez não participou porque se encontrava numa viagem pela América Latina e pela Europa, mas esteve presente o vice-presidente Rangel, que dirigiu palavras que me pareceram de sincero apreço pela história heróica dos comunistas venezuelanos, mas também pelo seu papel central na actual situação e pelas propostas defendidas.
A discussão traduz um reforço muito nítido do PC Venezuelano, que anos atrás, mercê de um conjunto de circunstâncias, se encontrava debilitado, e que agora demonstra uma grande combatividade, sobretudo através da juventude comunista que se destacou na preparação, na organização do congresso e no acolhimento às delegações estrangeiras. Os documentos aprovados apontam para o aprofundamento e radicalização do actual processo revolucionário no sentido do socialismo.
- Em que medida o próprio processo revolucionário deu força a esse crescimento do partido?
- Há uma dialéctica. Os nossos camaradas sentem que existe um reforço do partido pela participação nas transformações, e assumem que do próprio processo emerge a necessidade de afirmação e envolvimento dos comunistas. Quando apontam para o reforço do partido, tendo em conta a opção revolucionária que defendem, entendem que tem que existir uma vanguarda. Neste contexto, os nossos camaradas apontam uma debilidade: o envolvimento da classe operária venezuelana no processo revolucionário que, segundo eles, tem condições para crescer muito, enraizar-se com trabalhadores, com operariado que participe na consolidação e avanço da revolução, aliás como entendem também o presidente Chávez e outros membros da direcção bolivariana.
- Que razões apontam para esse menor envolvimento?
- São múltiplas, desde logo as que se prendem com a própria história do sistema político venezuelano.
Por outro lado, durante muitos anos dominou a social-democracia que desempenhou um papel hegemónico no movimento sindical, naturalmente clientelar, via corrupção material e ideológica, de tal forma que a Central dos Trabalhadores da Venezuela (CTV) e o seu secretário-geral participaram activamente no golpe contra o processo revolucionário.
Unir forças para prosseguir
- Isso indica a necessidade de mobilização dos trabalhadores e o papel dos comunistas na sua consciencialização, o que contraria a tese da acção «espontânea» dos movimentos de massas…
- Esse é um aspecto particularmente importante e complexo. A vida é muito mais rica que os sistemas. Sem a ideologia revolucionária não é possível alcançar avanços e soluções, mas a teoria tem que ser confirmada pela prática.
Como a experiência da nossa própria revolução portuguesa confirma, não há modelos, pelo contrário, a tendência é para que o processo libertador seja cada vez mais diversificado.
Sem dúvida que na Venezuela se desenrola um processo revolucionário original, com muitas particularidades, no qual os militares progressistas e o presidente Hugo Chávez têm um papel relevante, diria mesmo decisivo no actual contexto. Mas onde, simultaneamente, as medidas políticas e sociais tendem a alargar a base de sustentação do projecto transformador.
Segundo muitos observadores, não é possível considerar o processo como irreversível, inteiramente consolidado, mas é uma evidência a importância das massas trabalhadoras. É espontâneo? Não. Existem organizações próprias, uma central sindical de classe, a União Nacional dos Trabalhadores da Venezuela, que combate o reformismo no movimento operário e sindical.
Depois há um grande conjunto de forças anti-imperialistas, patrióticas, de esquerda e revolucionárias que têm convergido de uma forma mais ou menos estável no sentido de assegurar organização e a dinâmica.
Os camaradas venezuelanos insistem que não se pode prescindir de organização, de orientação relativamente às questões da propriedade e do poder, que ainda carecem de estabilização, solidificação, e é nessa direcção que apontam.
- E que medidas concretas foram definidas no Congresso nesse sentido?
- Para além do reforço do partido, promover a unidade da classe operária, o sindicalismo de classe e contribuir decisivamente para formas de cooperação e articulação política que possam assegurar uma força de vanguarda colectiva, sublinhe-se, colectiva e alargada, o que ainda não está cabalmente garantido.
Em matéria de forças políticas podemos dizer que o processo bolivariano assenta no partido do presidente Chávez, o Movimento V República – que é em si mesmo um grupo contendo forças diversificadas – o Partido Comunista Venezuelano, que em matéria de aparelho de Estado tem a 2.ª vice-presidência do parlamento, e outros partidos que não sendo do ponto de vista eleitoral mais pequenos que o PCV, não têm nem a história, nem a estrutura, nem a organização nem a influência dos comunistas.
- Há uma questão particular neste processo e noutros semelhantes na América Latina, que é o movimento dos trabalhadores assalariados rurais. Que linhas de trabalho procura o PCV neste âmbito?
- Essa é de facto uma questão fundamental na revolução bolivariana, e na generalidade dos países da América Latina, a questão da terra e das forças reaccionárias que ainda a dominam. A concentração da propriedade é enorme. Há quem considere que no contexto da radicalização do processo bolivariano, um dos pontos de resistência da contra-revolução é precisamente a questão fundiária.
O governo já decretou a Reforma Agrária, processo que está no início. Os agrários estão organizados e ameaçam contra qualquer aprofundamento da medida. A título de exemplo, durante o congresso foi alvo de tentativa de assassinato, pela segunda vez, um dirigente camponês que é deputado do Movimento V República, justamente porque a reacção não quer que a democratização da terra se faça e procura aterrorizar os que se batem por ela.
Uma política anti-imperialista
- No contexto internacional a Venezuela tem assumido uma política patriótica e de cooperação regional. Qual foi a análise do PCV sobre esta matéria?
- No fundamental, destaca-se que o processo venezuelano ou é profundamente anti-imperialista, ou não terá futuro.
Funciona como exemplo para os povos latino-americanos que há muito combatem a política de «quintal das traseiras» praticada pelos EUA; tem consequências práticas imediatas a começar pela utilização do recurso fundamental da Venezuela, o petróleo, em benefício do seu próprio povo e no quadro da cooperação na América Latina; relaciona-se com a recusa do plano norte-americano de imposição do Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) e a resposta concretizada no contexto subcontinental, integracionista e democrática entre países, pondo em marcha um acordo alternativo.
O presidente Chávez não esteve presente no congresso justamente porque foi há cimeira do Mercosul, que por si só, independentemente do rumo que venha a tomar, é neste momento uma recusa da dependência face aos EUA.
Mas o carácter anti-imperialista do processo bolivariano afirma-se num contexto mais alargado que a América Latina. A visita à Bielorrússia – país que tem resistido à hegemonia neoliberal no Leste da Europa – é disso exemplo. Foi um acto de coragem a viagem de Chávez. Representou o estabelecimento de laços entre duas nações que lutam pela sua soberania, pelo progresso social dos seus povos em continentes diferentes.
Por isso, os EUA sabem bem da importância de uma política externa autónoma na América Latina, estão atentos, e tomam medidas.
- Que medidas?
- Essencialmente de carácter militar, o que diz muito da hegemonia norte-americana no subcontinente. Dos pontos de vista económico, político, diplomático, cultural, ideológico, o imperialismo está batido na América Latina. Começou a ser batido quando a Europa foi vista por alguns países - e até por alguma esquerda e certos partidos comunistas - como uma alternativa à hegemonia dos EUA na região. Claro que a vida demonstrou que a UE tem uma posição também ela agressiva, imperialista.
Portanto, trata-se de medidas de carácter subversivo, conspirativo, de incitamento à reacção interna.
É ainda a multiplicação das bases militares na América Latina, tema que não tem sido muito abordado, mas que no momento em que os EUA considerarem exacto, dispõem de forças em Aruga, Curassao, ou em Manta, no Equador.
São exemplos concretos mais próximos da Venezuela, mas os EUA têm bases no Paraguai, voltadas para a contenção do Brasil, da Argentina e da Bolívia.
No que diz respeito à Venezuela, há ainda um aspecto particular a considerar na fronteira com a Colômbia, onde têm sido concentrados paramilitares. Isto foi-nos colocado pelos próprios camaradas da Colômbia durante a visita que fizemos, e um dos traços característicos do congresso do PCV foi o destaque dado quer ao Partido Comunista Colombiano, representado pelo seu secretário-geral, quer às Farc, que enviaram uma mensagem solidária e empenhada.
Não obstante, creio que se os EUA tentassem cometer naquela região os crimes que ocorrem no Iraque, na Palestina ou mais recentemente no Líbano, teriam a forte oposição dos revolucionários latino-americanos.
- No congresso foi discutida a eleição presidencial do final deste ano?
- Sim, aliás, o tema foi objecto de uma resolução própria. O PCV foi o primeiro, desta forma colectiva, altamente responsável, a expressar o apoio à candidatura do presidente Chávez. Existe uma grande confiança e como a oposição sente que não tem bases, está a encarar a possibilidade de boicotar as eleições de maneira a acusar o futuro governo de falta de legitimidade. Teme-se que a abstenção aumente sobretudo pela desmobilização para votar, pelo que está a ser feito um grande esforço de recenseamento.
No congresso, o vice-presidente Rangel pediu uma votação em Chávez na ordem dos 10 milhões, objectivo que todos reconhecem muito difícil de alcançar. De todo o modo subsiste a convicção de que Chávez vencerá.
«Cuba não está isolada na América Latina»
- Há pouco falámos do contexto de soberania e cooperação regional, no qual Cuba assume ter um papel dinamizador. Na passagem por Havana abordaram essa questão?
- Cuba é simultaneamente um exemplo e um incentivo para os povos latino-americanos. A situação actual da América Latina, este afluxo revolucionário, como caracterizam alguns camaradas, não seria possível sem Cuba. Acresce a concretização da solidariedade internacionalista, por exemplo, em programas na Venezuela e em tantos outros países, que vão desde a alfabetização à assistência médica. Também por isto, hoje Cuba não está isolada na América Latina.
Deixa-me sublinhar ainda que no próximo mês de Setembro Cuba vai acolher a cimeira dos Países Não-Alinhados, para a qual está já assegurada a participação ao mais alto nível, e que pode representar uma inflexão no rumo desta organização.
Tudo isto traduz uma vaga de fundo, e Cuba está a reassumir o papel que lhe cabe como país soberano.
Ao nível das próprias Nações Unidas verificaram-se tentativas de afastar os cubanos da área dos Direitos Humanos. Não obstante, os países elegeram Cuba. Eu creio que isto mostra que resistir é já vencer. Confirma que vale a pena insistir e confiar.
Repressão continua na Colômbia
- Na viagem pela América Latina tiveram ainda oportunidade de passar pela Colômbia. Há avanços quanto há proposta de diálogo feita pelas FARC?
- Não nos encontrámos com as FARC porque a visita era necessariamente curta, quase de passagem para a Venezuela, não fosse isso, ter-se-ia organizado um contacto. De qualquer forma sublinho que a reunião que tivemos com o Partido Comunista Colombiano foi muito produtiva, até porque participámos numa iniciativa pública a assinalar os 77 anos do partido.
Sobre o estado do processo colombiano devemos reter que recentemente decorreram eleições, ganhas por Álvaro Uribe, mas cujo resultado do candidato apoiado pelos comunistas foi o maior de sempre. Isto deve-se salientar na medida em que se insere na vaga mais geral verificada na América Latina. Não se podem ver os resultados só à luz do «ganhou, ou perdeu», importa alargar o contexto.
Depois, lembrar que estamos perante um governo de características fascistas, que gere um Estado profundamente militarizado e que se propôs a liquidar as FARC. Ainda não conseguiu.
A terceira nota para dizer que entre os temas mais vivos na sociedade colombiana, estão o avanço para um processo de paz, o que o executivo de Álvaro Uribe recusa; a luta contra a impunidade dos assassinos de sindicalistas, dirigentes comunistas e activistas rurais; a condenação feita pela ONU da política de Uribe nesta matéria.
Há mais de oito mil presos, quase três milhões de deslocados relacionados com as operações do Plano Patriota, o qual se concentra objectivamente em aniquilar o secretariado das FARC. Neste último mandato de Uribe foram assassinados 138 comunistas e efectuadas quase sete mil prisões arbitrárias.
Contudo, a proposta das FARC é bastante conhecida e envolve o intercâmbio de prisioneiros e a desmilitarização de dois municípios para que se possam iniciar conversações de paz.
Cuba e a Colômbia também estiveram na agenda da digressão comunista.
Avante! : - Que balanço fazes da presença no 12.º Congresso do PC venezuelano?
Albano Nunes: - As nossas relações com os camaradas venezuelanos são muito boas. Não podíamos deixar de estar presentes, sobretudo tendo em conta a revolução bolivariana em que estão empenhados e o nosso interesse em aprofundar o conhecimento que temos dela.
O congresso foi profundamente marcado pelo processo revolucionário venezuelano, que os nossos camaradas valorizam muito e no qual participam activamente. Por sua vez, também observámos que essa prática é correspondida pela direcção política venezuelana, nomeadamente pelo presidente Hugo Chaves e pelo vice-presidente José Vicente Rangel.
Ao contrário do que estava inicialmente previsto, Chávez não participou porque se encontrava numa viagem pela América Latina e pela Europa, mas esteve presente o vice-presidente Rangel, que dirigiu palavras que me pareceram de sincero apreço pela história heróica dos comunistas venezuelanos, mas também pelo seu papel central na actual situação e pelas propostas defendidas.
A discussão traduz um reforço muito nítido do PC Venezuelano, que anos atrás, mercê de um conjunto de circunstâncias, se encontrava debilitado, e que agora demonstra uma grande combatividade, sobretudo através da juventude comunista que se destacou na preparação, na organização do congresso e no acolhimento às delegações estrangeiras. Os documentos aprovados apontam para o aprofundamento e radicalização do actual processo revolucionário no sentido do socialismo.
- Em que medida o próprio processo revolucionário deu força a esse crescimento do partido?
- Há uma dialéctica. Os nossos camaradas sentem que existe um reforço do partido pela participação nas transformações, e assumem que do próprio processo emerge a necessidade de afirmação e envolvimento dos comunistas. Quando apontam para o reforço do partido, tendo em conta a opção revolucionária que defendem, entendem que tem que existir uma vanguarda. Neste contexto, os nossos camaradas apontam uma debilidade: o envolvimento da classe operária venezuelana no processo revolucionário que, segundo eles, tem condições para crescer muito, enraizar-se com trabalhadores, com operariado que participe na consolidação e avanço da revolução, aliás como entendem também o presidente Chávez e outros membros da direcção bolivariana.
- Que razões apontam para esse menor envolvimento?
- São múltiplas, desde logo as que se prendem com a própria história do sistema político venezuelano.
Por outro lado, durante muitos anos dominou a social-democracia que desempenhou um papel hegemónico no movimento sindical, naturalmente clientelar, via corrupção material e ideológica, de tal forma que a Central dos Trabalhadores da Venezuela (CTV) e o seu secretário-geral participaram activamente no golpe contra o processo revolucionário.
Unir forças para prosseguir
- Isso indica a necessidade de mobilização dos trabalhadores e o papel dos comunistas na sua consciencialização, o que contraria a tese da acção «espontânea» dos movimentos de massas…
- Esse é um aspecto particularmente importante e complexo. A vida é muito mais rica que os sistemas. Sem a ideologia revolucionária não é possível alcançar avanços e soluções, mas a teoria tem que ser confirmada pela prática.
Como a experiência da nossa própria revolução portuguesa confirma, não há modelos, pelo contrário, a tendência é para que o processo libertador seja cada vez mais diversificado.
Sem dúvida que na Venezuela se desenrola um processo revolucionário original, com muitas particularidades, no qual os militares progressistas e o presidente Hugo Chávez têm um papel relevante, diria mesmo decisivo no actual contexto. Mas onde, simultaneamente, as medidas políticas e sociais tendem a alargar a base de sustentação do projecto transformador.
Segundo muitos observadores, não é possível considerar o processo como irreversível, inteiramente consolidado, mas é uma evidência a importância das massas trabalhadoras. É espontâneo? Não. Existem organizações próprias, uma central sindical de classe, a União Nacional dos Trabalhadores da Venezuela, que combate o reformismo no movimento operário e sindical.
Depois há um grande conjunto de forças anti-imperialistas, patrióticas, de esquerda e revolucionárias que têm convergido de uma forma mais ou menos estável no sentido de assegurar organização e a dinâmica.
Os camaradas venezuelanos insistem que não se pode prescindir de organização, de orientação relativamente às questões da propriedade e do poder, que ainda carecem de estabilização, solidificação, e é nessa direcção que apontam.
- E que medidas concretas foram definidas no Congresso nesse sentido?
- Para além do reforço do partido, promover a unidade da classe operária, o sindicalismo de classe e contribuir decisivamente para formas de cooperação e articulação política que possam assegurar uma força de vanguarda colectiva, sublinhe-se, colectiva e alargada, o que ainda não está cabalmente garantido.
Em matéria de forças políticas podemos dizer que o processo bolivariano assenta no partido do presidente Chávez, o Movimento V República – que é em si mesmo um grupo contendo forças diversificadas – o Partido Comunista Venezuelano, que em matéria de aparelho de Estado tem a 2.ª vice-presidência do parlamento, e outros partidos que não sendo do ponto de vista eleitoral mais pequenos que o PCV, não têm nem a história, nem a estrutura, nem a organização nem a influência dos comunistas.
- Há uma questão particular neste processo e noutros semelhantes na América Latina, que é o movimento dos trabalhadores assalariados rurais. Que linhas de trabalho procura o PCV neste âmbito?
- Essa é de facto uma questão fundamental na revolução bolivariana, e na generalidade dos países da América Latina, a questão da terra e das forças reaccionárias que ainda a dominam. A concentração da propriedade é enorme. Há quem considere que no contexto da radicalização do processo bolivariano, um dos pontos de resistência da contra-revolução é precisamente a questão fundiária.
O governo já decretou a Reforma Agrária, processo que está no início. Os agrários estão organizados e ameaçam contra qualquer aprofundamento da medida. A título de exemplo, durante o congresso foi alvo de tentativa de assassinato, pela segunda vez, um dirigente camponês que é deputado do Movimento V República, justamente porque a reacção não quer que a democratização da terra se faça e procura aterrorizar os que se batem por ela.
Uma política anti-imperialista
- No contexto internacional a Venezuela tem assumido uma política patriótica e de cooperação regional. Qual foi a análise do PCV sobre esta matéria?
- No fundamental, destaca-se que o processo venezuelano ou é profundamente anti-imperialista, ou não terá futuro.
Funciona como exemplo para os povos latino-americanos que há muito combatem a política de «quintal das traseiras» praticada pelos EUA; tem consequências práticas imediatas a começar pela utilização do recurso fundamental da Venezuela, o petróleo, em benefício do seu próprio povo e no quadro da cooperação na América Latina; relaciona-se com a recusa do plano norte-americano de imposição do Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) e a resposta concretizada no contexto subcontinental, integracionista e democrática entre países, pondo em marcha um acordo alternativo.
O presidente Chávez não esteve presente no congresso justamente porque foi há cimeira do Mercosul, que por si só, independentemente do rumo que venha a tomar, é neste momento uma recusa da dependência face aos EUA.
Mas o carácter anti-imperialista do processo bolivariano afirma-se num contexto mais alargado que a América Latina. A visita à Bielorrússia – país que tem resistido à hegemonia neoliberal no Leste da Europa – é disso exemplo. Foi um acto de coragem a viagem de Chávez. Representou o estabelecimento de laços entre duas nações que lutam pela sua soberania, pelo progresso social dos seus povos em continentes diferentes.
Por isso, os EUA sabem bem da importância de uma política externa autónoma na América Latina, estão atentos, e tomam medidas.
- Que medidas?
- Essencialmente de carácter militar, o que diz muito da hegemonia norte-americana no subcontinente. Dos pontos de vista económico, político, diplomático, cultural, ideológico, o imperialismo está batido na América Latina. Começou a ser batido quando a Europa foi vista por alguns países - e até por alguma esquerda e certos partidos comunistas - como uma alternativa à hegemonia dos EUA na região. Claro que a vida demonstrou que a UE tem uma posição também ela agressiva, imperialista.
Portanto, trata-se de medidas de carácter subversivo, conspirativo, de incitamento à reacção interna.
É ainda a multiplicação das bases militares na América Latina, tema que não tem sido muito abordado, mas que no momento em que os EUA considerarem exacto, dispõem de forças em Aruga, Curassao, ou em Manta, no Equador.
São exemplos concretos mais próximos da Venezuela, mas os EUA têm bases no Paraguai, voltadas para a contenção do Brasil, da Argentina e da Bolívia.
No que diz respeito à Venezuela, há ainda um aspecto particular a considerar na fronteira com a Colômbia, onde têm sido concentrados paramilitares. Isto foi-nos colocado pelos próprios camaradas da Colômbia durante a visita que fizemos, e um dos traços característicos do congresso do PCV foi o destaque dado quer ao Partido Comunista Colombiano, representado pelo seu secretário-geral, quer às Farc, que enviaram uma mensagem solidária e empenhada.
Não obstante, creio que se os EUA tentassem cometer naquela região os crimes que ocorrem no Iraque, na Palestina ou mais recentemente no Líbano, teriam a forte oposição dos revolucionários latino-americanos.
- No congresso foi discutida a eleição presidencial do final deste ano?
- Sim, aliás, o tema foi objecto de uma resolução própria. O PCV foi o primeiro, desta forma colectiva, altamente responsável, a expressar o apoio à candidatura do presidente Chávez. Existe uma grande confiança e como a oposição sente que não tem bases, está a encarar a possibilidade de boicotar as eleições de maneira a acusar o futuro governo de falta de legitimidade. Teme-se que a abstenção aumente sobretudo pela desmobilização para votar, pelo que está a ser feito um grande esforço de recenseamento.
No congresso, o vice-presidente Rangel pediu uma votação em Chávez na ordem dos 10 milhões, objectivo que todos reconhecem muito difícil de alcançar. De todo o modo subsiste a convicção de que Chávez vencerá.
«Cuba não está isolada na América Latina»
- Há pouco falámos do contexto de soberania e cooperação regional, no qual Cuba assume ter um papel dinamizador. Na passagem por Havana abordaram essa questão?
- Cuba é simultaneamente um exemplo e um incentivo para os povos latino-americanos. A situação actual da América Latina, este afluxo revolucionário, como caracterizam alguns camaradas, não seria possível sem Cuba. Acresce a concretização da solidariedade internacionalista, por exemplo, em programas na Venezuela e em tantos outros países, que vão desde a alfabetização à assistência médica. Também por isto, hoje Cuba não está isolada na América Latina.
Deixa-me sublinhar ainda que no próximo mês de Setembro Cuba vai acolher a cimeira dos Países Não-Alinhados, para a qual está já assegurada a participação ao mais alto nível, e que pode representar uma inflexão no rumo desta organização.
Tudo isto traduz uma vaga de fundo, e Cuba está a reassumir o papel que lhe cabe como país soberano.
Ao nível das próprias Nações Unidas verificaram-se tentativas de afastar os cubanos da área dos Direitos Humanos. Não obstante, os países elegeram Cuba. Eu creio que isto mostra que resistir é já vencer. Confirma que vale a pena insistir e confiar.
Repressão continua na Colômbia
- Na viagem pela América Latina tiveram ainda oportunidade de passar pela Colômbia. Há avanços quanto há proposta de diálogo feita pelas FARC?
- Não nos encontrámos com as FARC porque a visita era necessariamente curta, quase de passagem para a Venezuela, não fosse isso, ter-se-ia organizado um contacto. De qualquer forma sublinho que a reunião que tivemos com o Partido Comunista Colombiano foi muito produtiva, até porque participámos numa iniciativa pública a assinalar os 77 anos do partido.
Sobre o estado do processo colombiano devemos reter que recentemente decorreram eleições, ganhas por Álvaro Uribe, mas cujo resultado do candidato apoiado pelos comunistas foi o maior de sempre. Isto deve-se salientar na medida em que se insere na vaga mais geral verificada na América Latina. Não se podem ver os resultados só à luz do «ganhou, ou perdeu», importa alargar o contexto.
Depois, lembrar que estamos perante um governo de características fascistas, que gere um Estado profundamente militarizado e que se propôs a liquidar as FARC. Ainda não conseguiu.
A terceira nota para dizer que entre os temas mais vivos na sociedade colombiana, estão o avanço para um processo de paz, o que o executivo de Álvaro Uribe recusa; a luta contra a impunidade dos assassinos de sindicalistas, dirigentes comunistas e activistas rurais; a condenação feita pela ONU da política de Uribe nesta matéria.
Há mais de oito mil presos, quase três milhões de deslocados relacionados com as operações do Plano Patriota, o qual se concentra objectivamente em aniquilar o secretariado das FARC. Neste último mandato de Uribe foram assassinados 138 comunistas e efectuadas quase sete mil prisões arbitrárias.
Contudo, a proposta das FARC é bastante conhecida e envolve o intercâmbio de prisioneiros e a desmilitarização de dois municípios para que se possam iniciar conversações de paz.